No Foco – Aventuras da pororoca

 Alguns anos atrás fui escalado pela ESPN Brasil para cobrir um evento na pororoca e é esta experiência que conto para vocês aqui…

Chegar ao Amapá não é tarefa fácil, depois de seis horas de vôo desde Floripa (SC). Algumas subidas, descidas, conexões e o vôo chega a Macapá.

 No aeroporto às duas horas da manhã, a idéia de um descanso merecido se esvai quando a organização do evento nos guia até dois ônibus que aguardavam para levar competidores e imprensa até o município de Cotias do Araguari, uma viagenzinha de nada, apenas quatro horas por uma estrada de terra.

 Na chegada, às seis horas da manhã, começa o embarque de todo equipamento e suprimentos para uma semana na selva. São três barcos do tipo gaiola onde acomodamos nossas redes para seguir 13 horas de viagem até próximo à foz do rio onde acontece a pororoca.

Bombeiros, médicos e cozinheiros viajam num barco, imprensa em outro e surfistas no terceiro barco. Uma verdadeira operação de guerra.

Durante a viagem me impressiono com a população ribeirinha, que vive longe da civilização e dependente de seu próprio esforço para sobreviver.

Aproveito a viagem para conhecer meus colegas de profissão, alguns veteranos de selva e outros marinheiros de primeira viagem. Equipes da CNN americana, da NHK japonesa e de uma agência de notícias alemã se acomodam com estranheza nas redes, mas não reclamam de nada, pois para quem está acostumado a cobrir guerras isto mais parece um passeio pelo paraíso, me diz o americano Douglas, recém-chegado do Iraque.

Chegamos ao nosso destino por volta das 19 horas, completando 24 horas de viagem ininterruptas desde que entrei no vôo em Floripa. Logo nosso capitão comunica o encontro com a pororoca da noite, que em instantes chega chacoalhando o barco por uns 15 minutos. O sono vem com o balanço do barco e a visão do céu estrelado se funde a um sonho que dá asas à imaginação.

O despertar é cedo e corrido, pois a pororoca passa às 7 horas da matina e configura-se neste momento toda a peculiaridade deste evento, em que não existem espectadores. Apenas competidores, juízes, imprensa e os barqueiros, estes peças fundamentais para que o surfista consiga entrar na onda e para posicionar os cinegrafistas na frente da onda rezando para que o motor não pare.

Nenhum evento no mundo tem estas particularidades. No Tahiti dependemos de barcos para filmar a perigosa onda de Teahupoo, mas eles ficam parados num canal. Aqui é adrenalina para todos, pois o evento é em movimento, o que não permite erros.

A pororoca acontece nas fases da lua cheia e nova, nas quais a diferença entre as marés é maior, o que causa um refluxo das águas do oceano e adentra o rio por vários quilômetros, para formar ondas que podem ser surfadas por vários minutos.

Neste primeiro dia tudo correu bem e apenas aconteceu um surf treino para checar se a infra funcionaria.
De volta ao barco, soubemos que ficaríamos instalados numa fazenda, num igarapé a poucos minutos dali. A chegada revelou-nos mais uma surpresa, um barco do Governo do Amapá com infra-estrutura para a imprensa e computadores conectados via satélite, tudo isso nos confins da selva amazônica.

No decorrer da semana os dias se seguiram com pequenos incidentes, barcos quebrados, marés muito secas que nos obrigavam a caminhadas empurrando o barco, ajuda a golfinhos encalhados, enfim, os problemas que uma operação deste porte pode ter.

A competição tinha um favorito desde o começo. O rei da pororoca Adilton Mariano, recordista em tempo de onda surfada, tinha um fácil caminho até a vitória, pela desistência do vice-líder do circuito Ricardo Tatuí, que não compareceu.

 Já no primeiro dia do evento Adilton surfou a onda da sua vida segundo suas declarações, uma onda cheia de manobras e com uma força só encontrada no rio Araguari.

 Um incidente marcou o terceiro dia envolvendo a equipe da CNN e a produtora da agência de notícias alemã. Um avião viria buscá-los em uma outra fazenda a duas horas de barco, onde havia uma pista de pouso, mas o barco deles quebrou e eles ficaram a deriva indo em direção à foz do rio arrastados por uma forte correnteza durante oito horas, debaixo de uma tormenta tropical.

 Só foram salvos porque a equipe da CNN tinha um telefone de satélite e contactou Atlanta nos EUA, que se comunicou com o governo do Amapá, que por sua vez acionou o avião que iria pegá-los a jogar uma garrafa com uma mensagem explicando a situação aos bombeiros que nos acompanhavam para fazer o resgate.

 A chegada de volta à nossa fazenda por volta da meia-noite mostrou que os homens estavam cansados e a produtora beirava o estado de choque, pois poderia ter acontecido o pior se alguns ribeirinhos não tivessem acolhido eles pouco antes da pororoca entrar com força total.

A competição continua no dia seguinte e se desenrola sem muitas surpresas. Adilton sagra-se campeão do circuito por pontos antes mesmo do evento terminar.

No último dia aconteceu uma semifinal com o curitibano Sérgio Laus. Recuperado de uma lesão que sofreu na L5 (quinta vértebra cervical) em um sério acidente da última vez que esteve no rio Araguari, o atleta local Stanley, venceu Laus que na mesma onda e foi para a final contra Adilton Mariano, que apresentou um surf mais bonito e com várias manobras, para sagrar-se campeão do evento.

A bateria já estava decidida quando outros surfistas resolveram surfar. Adilton continuava na onda quando um dos barcos pifou o motor e seus ocupantes surfistas pularam junto com o barqueiro, deixando o barco desgovernado, que foi de encontro à pororoca.

 Ao ser pego pela onda, o barco deu uma surfada e quase foi ao encontro de Adilton, que em uma manobra rápida se afastou e o barco ficou para trás, escapando de ir ao fundo.

Bom depois de tudo isso, eu como não sou de ferro resolvi me jogar na água com a prancha reserva do Laus que estava no meu barco e pude sentir o gosto de surfar durante seis minutos a onda mais longa da minha vida.

 Estranho é quando a onda passa com os barcos na frente. De repente você está sozinho no meio do rio vendo a pororoca se afastar junto com todos os barcos e surfistas. O gosto da água doce te dá a dimensão da solidão no meio da selva amazônica e imprime em alguma parte do seu cérebro a lembrança de uma sensação que se contrapõe ao dia-a-dia urbano de nossas vidas.

Em tempo, poroc poroc é o nome indígena que significa estrondo, barulho…

 

fonte: Waves


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