Nenel de Amaralina – Sim, nós podemos surfar

 Numa época em que o surf estava restrito aos playboys da burguesia de Salvador, um garoto negro, magrinho e comprido do Nordeste de Amaralina juntou a galera e afirmou: “Sim, nós podemos surfar”…

 Se as pessoas ainda têm dúvidas de que a Bahia é o lugar onde as coisas são possíveis, que os sonhos estão vivos, precisam conhecer a história de Nelson Moreira Filho, mais conhecido como Nenel do Quebra Coco de Amaralina.

 Mais um Filho da Revolução, Nenel nasceu no dia 2 de junho de 1964 e cresceu entre as praias da Pituba e Amaralina. “Por volta de 1971, a gente já via caras como Tourão, Fredão, Bráulio, Maurício Abubakir, Cly Loiole e Guiga Matos, entre outros, pegando ondas e ficava na maior fissura, mas não tinha prancha. Juntamos a galera, invadimos as obras, conseguimos madeirites e começamos a surfar de
taubinha, na areia”, lembra.

 Sempre com um espírito amistoso, Nenel, desde cedo mostrou responsabilidade social, trabalhando não apenas pensando em si, mas também nos outros. “Daquela turma, destaco David da Hora, Neilton Muricy, Olimpinho Batista e Neidson de Jesus como maiores representantes. A gente pegava os madeirites, contava, fazia o shape, virava borda e surfava na areia, na volta da onda, depois do quebra coco. A gente chamava de Frus, o surf ao contrário”, explica Nenel, um dos responsáveis pela confecção dos brinquedos.

 A brincadeira de Frus durou até o início dos anos 80, quando começaram a aparecer as primeiras pranchas usadas. “Comprei minha primeira prancha depois de trabalhar por três anos catando alumínio. Era uma Tito Resenberg, feita no Peru, que tinha uns consertos grandões, porque foi usada no tráfico de drogas. Surfei com ela por três anos, depois desencapei e fiz minha primeira prancha”, revela Nenel.

  Assim nasceu a Prancha Folha da Costa, que tem a proposta de abrir portas, restaurar a prosperidade, promover a paz. “Não faço prancha para ficar rico. Faço para evoluir o esporte e prestar um serviço para a comunidade porque no meu tempo de criança eu queria e não tinha. Então, faço prancha para o surfista
que nunca tem dinheiro e sempre compra o pior material. Faço as minhas mágicas e entrego uma prancha com qualidade de competição”, afirma.

 Sempre contribuindo para diminuir a desigualdade, Nenel acabou se especializando em fazer os “brinquedos” preferidos da galera na praia. “Além das pranchas de surf, também faço pranchas para resgate aquático; o skimboard ou Frus na areia; e a handboard para o surf de peito”, revela o shaper que também faz parte dos
quadros do Salvamar.

 Como um autêntico homem da água, Nenel se destaca nos salvamentos feitos em condições de extremas dificuldades, em mares com ondas grandes, o que já lhe rendeu um título de campeão, um vice-campeonato e a terceira colocação no Mundial de Resgate Aquático. “No ano em que fui campeão, o mar estava muito
grande, com ondas de 3 metros”, revela.

 “A competição foi no Rio de Janeiro e teve a participação de Salvavidas do Hawaii, Califórnia, Austrália e de outros lugares. Na hora de pegar a prancha, vacilei, fiquei por último e só restou o maior toco, uma prancha pesadona. Na hora de entrar no mar deixei os gringos partirem na frente e todo mundo optou por enfrentar o quebra-coco, fui pelo canto da praia e pulei da pedra, saindo já no outside, daí foi um abraço. Cheguei, fui ao palanque, tomei banho e ainda tinha gente chegando”, revela o campeão.

 Este momento, Nenel destaca como um dos mais importantes que aquela turma do Quebra Coco de Amaralina conquistou, o outro é o Campeonato de Longboard que Olimpinho ganhou no Hawaii. “É muito difícil imaginar que um garoto da comunidade do Nordeste de Amaralina venceria um campeonato de surf no Hawaii, ganhando de todos os locais, um por um, até a final. Foram mais de dez baterias”, conta. A surpresa foi tão grande que nem os organizadores acreditaram no que estavam vendo. O resultado da competição só saiu uma semana depois, quando Olimpinho já estava no Brasil.

 Sempre se erguendo além do egoísmo, da avareza e da falta de generosidade, Nenel tem consciência de que pode conseguir muito mais. “Além de fazer as pranchas da galera da comunidade, a Folha da Costa tem uma lista enorme de profissionais que começou aqui e estão trabalhando em grandes empresas, espalhadas pelo
mundo. Também somos formadores de mão de obra”, lembra Nenel.

 Outra atividade que Nenel se dedica é a organização do campeonato baiano de surf de peito. “Todo ano, as pessoas me pedem para organizar o campeonato, porque se não passa em branco. Este ano vamos realizar o campeonato com etapas no Barravento, Buracão do Rio Vermelho, Amaralina, Boca do Rio e na Praia de
Catussaba. Alguns dos melhores picos da cidade para o surf de peito”, revela Nenel.

 Sim, nós podemos surfar e vamos lá.

 

fonte: waves


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