Echa Wuisan, fotógrafa residente do Surfing-Village, fala com o Ibrasurf sobre suas viagens e experiências como fotógrafa de surf

Eu nasci em Solo , numa cidade pequena no centro da ilha de Java, mas cresci em Jacarta, capital da Indonésia. Desde os meus 5 anos de idade, meu sonho era em trabalhar nos bastidores, atrás das lentes com alguma forma de arte.

Aos 19 anos possuía uma câmera em minhas mãos, uma dessas câmeras digitais baratas . Naquela época trabalhava para um jornal local como freelancer. Nunca tive aulas de fotografia por isso decidi trabalhar em tempo integral como fotógrafa para assim ter a oportunidade de “treinar”. Não era nada fácil para mim ser uma fotógrafa na área de jornalismo, principalmente quando minha missão era fotografar greves em meu país. Precisava me esconder de coquetéis molotov, pedras e tiros entre a população e o Governo. Percebi então que não conseguia tolerar, assistir e ainda ter a função de registrar pessoas morrendo em frente aos meus olhos. Não existia amor e sim ódio para todos os lados.

Minha decisão foi a de pedir demissão do jornal  e arrumei outro emprego como fotógrafa numa revista em Jacarta, na esperança de poder registrar algo mais belo e humano. Trabalhei com pessoas maravilhosas nessa revista. Todos me apoiavam muito e o melhor era ainda ter a possibilidade de viajar por quase toda Indonésia sem nenhum custo. Trabalhei registrando lugares maravilhosos em meu país como resorts particulares, hotéis 5 estrelas, etc. Era tratada como “celebridade” onde quer que fosse fotografar . Estava feliz em ter as mãos, a oportunidade de promover meu país para estrangeiros. Ainda havia uma possibilidade única de aplicar em minhas fotos o meu lado artístico, quando um cliente me solicitava uma ou mais fotos “trabalhadas” para divulgação.

No início de 2011, minha vida não era tão boa quanto imaginava que fosse, por causa de uma doença que adquiri. Isso fez com que meus sonhos se dissipassem. Aguentava qualquer tipo de sofrimento e dor causada por essa doença, mas não aguentava ficar sem tirar fotos e compartilhá-las com as pessoas. Isso realmente me matava. Quase desisti de tudo! Ficar deitada na cama sem fotografar foi o maior pesadelo de minha vida.

Precisava “lutar”.  Rezei a Deus e pedi mais tempo para viver. Ele ouviu minhas preces! Um homem me encontrou num site de relacionamentos. Ele me contactou através de e-mails. Este estava a procura de um fotógrafo para trabalhar em seu surf resort. Seu nome é Paulo Sciamarelli (ele é brasileiro). Paulo me ofereceu trabalho e não tive dúvidas em aceitar.

Me senti novamente viva! Combinamos um encontro em Jacarta para discutirmos os detalhes do emprego. Estava muito entusiasmada por saber que ele necessitava de um fotógrafo residente em seu surf camp, em uma ilha que eu mesmo desconhecia, no Norte de Sumatra.

Estava entretanto um pouco apreensiva porque nunca havia trabalhado como fotógrafa de nenhum evento esportivo até então. Mas meu coração dizia que tinha que aproveitar essa chance. Seria uma excitante nova experiência e assim poder continuar vivendo e tendo forças para lutar contra minha doença.

Jacarta, Novembro de 2011. Eu e Paulo nos encontramos, conversamos sobre fotografia, seu lugar na ilha, sobre assuntos diversos, comemos sushi… Nessa mesma noite, para minha complete surpresa,  ele me pediu para ser sua namorada.  Aceitei. Tinha um sentimento profundo que ele seria um ótimo namorado e fico feliz por saber que eu estava certa sobre isso.

Fomos juntos para Bali, passamos quase 3 meses por lá antes de partir para uma ilha no meio do Norte da Sumatra. Fevereiro de 2012.  Chegamos na ilha no dia 14  (dia dos namorados aqui na Indonésia e em outros países). A temporada de ondas ainda não havia realmente começado.  Precisava praticar primeiro, tirando fotos de surfistas. Paulo me ajudou muito e também Gabriel, o caseiro do Surfing Village. Eles são muito bons surfistas pra mim. Fiquei praticando, tirando fotos de surf praticamente todos os dias,  comecei a me sentir mais segura e meus sentimentos pareciam ser um com o surf e as ondas.

A Natureza começou a me curar, nunca mais me senti doente desde que mudei meu estilo de vida.. sem stress, poluição… A única coisa que me faz triste ainda é quando eu sinto saudades do meu amado filho Sava de apenas 6 anos de idade. Ele mora com a sua avó em Jacarta. Ele é uma criança excepcional e um presente que Deus me deu.

A temporada de altas ondas começou em Abril e os hóspedes começavam a chegar no SV junto com as ondas perfeitas e solitárias. Não me sentia mais insegura atrás das lentes pela grande ajuda que obtive de Paulo, Gabriel, Mario e Nardelli, que sempre me apoiaram, incentivaram e acreditaram no meu trabalho. Agradeço muito a eles. Também aprimorei meu trabalho observando muitas fotos de surf de excelente qualidade, mas também li bastante sobre a filosofia da cultura do mundo do surf e tudo que era relacionado com o surf. Isso me deu novas perspectivas.

Percebi que qualquer trabalho possui riscos envolvidos. E ser uma fotografa de surf, pode ser muitas vezes perigoso. Andar pelos corais, me locomover de canoa encarando as ondas para chegar até a lancha, tirar fotos perto da rebentação, o barco balançando ou ter que nadar até a areia, continua sendo uma missão para mim. Ficar em pé por horas com as roupas encharcadas, às vezes com muito vento e o calor do sol que queima minha pele… não importa as condições adversas, eu continuo tendo um enorme prazer em fazer o meu trabalho. Para fotografar da praia, por exemplo, às vezes tenho que subir em uma arvore para conseguir um ângulo melhor. Outro dia, tentei subir em uma, mas pisei num galho ressecado que rachou ao meio…. Tive muita sorte em não me machucar ou quebrar minha câmera que já estava pendurada.

Minha “rotina” de trabalho começa cedo. Fotografo as ondas dos surfistas, depois tenho que separar o material para apresentação do slide show que acontece todas as noites. Também posto diariamente fotos no Facebook do Surfing-Village (surfing-village.com). Meus dias de trabalho geralmente vão até tarde da noite. Nunca imaginei que esse tipo de atividade fosse consumir tanto do meu tempo, mas sinceramente,  amo o que eu faço. Quando percebo que registrei um momento único de um surfista na onda, isso me deixa realmente feliz.

Prefiro fotografar da praia com ângulos irrestritos. Procuro balancear minhas fotos entre as manobras de ação,  das ondas e do estilo de vida aqui na ilha.

Percebi que minha vida deu uma guinada de 180 graus. Era uma garota de cidade. Ia trabalhar de carro, enfrentava o trânsito, poluição….E agora não consigo imaginar ficar muito tempo longe da canoa para ir trabalhar. Me sinto abençoada.

No momento o SV possui uma equipe na área de mídia  que conta um videomaker, Andre “Mop” Vieira e dois fotógrafos, Eu e meu companheiro de equipe Everton Luis, que geralmente fotografa da água. Ele é uma pessoa muito bacana além de possuir maior experiência nas fotos de surf. Geralmente faço meu próprio trabalho, gosto de ir para lugares diferentes e procuro ângulos inéditos.

Outro dia recebi um e-mail de uma revista de surf que é publicada em Bali (Surf Time Magazine). Eles querem publicar minhas fotos de surf. Fiquei muito surpresa e feliz. Eles apreciaram muito o tipo de arte nas minhas fotos de surf e que era raro uma mulher, especialmente no meu país, ser fotógrafa de surf. Eu fiquei abismada e me senti com muita sorte.

Desde que comecei a trabalhar com o mundo do surf, percebi que existem inúmeras oportunidades inexploradas. Gostaria de explorar as ilhas do Pacífico e descobrir ondas virgens. Quando olho no mapa, imagino que ainda existam muitas ilhas que talvez nunca tenham sido visitadas pelo homem. Esse é meu sonho agora.

A Natureza está me curando. Me tornar uma fotógrafa de surf foi uma benção de Deus. Encontrar um namorado maravilhoso foi outa benção que Deus me deu.

 

 


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